O amor despenteia...





Houve um tempo em que os sonhos de amor eram formatados a partir das fotonovelas. Hoje são as telenovelas e comerciais de margarina que dão o tom. Pois é. O software básico de nossas vidas é um programa que aceita todos os dados que vêm de fora, e através dele muitas vezes rodamos por aí sem questionar muito aquilo tudo que nos passam.
É o alerta de Fernanda Senger.





Luz apagada, película iluminada.
Luz acesa ou baixa, e um feixe de elétrons que se choca contra uma tela e gera luminescência em cor.
Em ambos os casos, imagens vívidas aparecem "do nada", como se fosse mágica, numa estrutura muito parecida com as imagens mentais que construímos.
Muitos de nossos comportamentos são regrados por condicionamentos mentais, e boa parte deles sequer é questionada, simplesmente "entra", passa a fazer parte do programa principal da existência das pessoas.
Esquecemos que nos impressionamos com as imagens.
Esquecemos que as imagens que vemos são tratadas, provocadas, que seguem a estética de um roteirista, de um diretor, de um designer de cenas.
E desejamos um amor de telenovela que, há pouco tempo, era um amor de fotonovela, ou almejamos estar na pele da mocinha "size" zero da película, que, além de estar sempre apta receber os amassos/beijos/abraços de seu bonitão da vez, ainda se joga do telhado de salto 13 e nem se descabela.
Esquecemos que o Amor despenteia...
Esquecemos...

Não tem receita, tem o olhar atento, o cuidado e a delicadeza, a disponibilidade em se deixar conhecer e em deixar que o outro se exponha sem ressalvas, sem fantasias. E isso a novela, o livro, o filme, a propaganda de perfume ou de margarina ou de cerveja não ensinam, porque não se ensina a sentir. Vive-se o sentir, vivencia-se o Amor. Amor se dá, não se troca.

É neste ponto que começam os perrengues com Eros, o amor que não dá e ainda toma.
Eros é assim, amor bolo de morango, amor sensorial, onde fazer amor é igual a relação sexual. (*)
Nada contra, só não dá para confundir um sentimento gigantesco e arrebatador (Amor pleno, Amor), capaz de mover as estrelas, com um tesãozinho de argola.

Amor pleno na pena do poeta:
As sem-razões do amor Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. (*)

Como escrevi acima, não tem receita, só é possível vivenciar o Amor.
E essa possibilidade ocorre na exata proporção da entrega e do auto-conhecimento.
É, pessoas, para amar assim sem-vergonha, primeiro tem de ser egoísta, encontrar e namorar consigo mesmo.
Assim podemos nos despojar dos (d)efeitos especiais, nos tornamos 'como um designer de cenas ou um assistente de câmera que vai para o cinema. Profissionais vêm além do que nós vemos. Eles enxergam como a câmera foi posicionada, quais lentes e equipamento de iluminação foram usados, como as multidões foram geradas por computador e todas as técnicas cinematográficas que a audiência não percebe. Desse modo, para eles, a ilusão é desfeita. Mas mesmo assim, profissionais ainda podem se divertir imensamente quando vão ao cinema.' (*)

Depois, bem, depois é futuro e ninguém sabe.
Nós podemos nos encantar com amores mais ou menos profundos, de acordo com a clareza e intensidade que procuramos conter.
Podemos nos encantar com pessoas, com humanos, aqueles que tem a pele com pequenos sinais ou grandes cicatrizes e cabelos com "frizz", aqueles que erram o presente, que choram ou riem 'fora de hora' e que fazem a comida reviver e fugir do prato no jantar no restaurante très chic.
Aqueles que nos olham com olhos de sidério, nos fazendo esquecer a cor do nosso cabelo e acreditar na eternidade.
Então, se jogue!

(*) Links das citações no texto
http://msn.bolsademulher.com/forum/amor/f9/71777/
http://www.samsara.blog.br/2007/06/iluso-sem-apego.html
http://linoresende.jor.br/drummond-falando-de-amor/

Fernanda Senger
Professora de Hatha Yoga com aproximação pelo Método Iyengar
Leciona Alongamento e Alinhamento Ósseo no Estúdio em Cena - contato@estudioemcena.art.com
Formação livre em danças étnicas (flamenco, dança indiana e árabe), Cadeias Musculares, Klauss Vianna, Marta Graham, Laban, BMC
Atualmente explora a educação somática, o 'Corpar' de Stanley Keleman através de seus livros
http://experimentexto.blogspot.com
http://cafezinhometafisico.blogspot.com/2008/07/joguinho-de-montar.html
mfesenger@terra.com.br
INDAIATUBA/SP

Ilustrações: Edição de arte a partir de imagens de divulgação dos filmes.

2 comentários:

  1. Oi Fernanda!! O Amor não só despenteia como a maquiagem então, nem se fala..risos...!! Concordo contigo em "se jogue", jogue prá valer o que tiver que ser!!!Uma maneira de olharmos o mundo é apostar que nada existe antes e fora de qualquer experiência. Tu já reparaste que, contraditoriamente, dizemos que "vivemos" "morrendo" de "amor"?? Gosto de uma música do Armandinho que diz isso e segue um pedacinho:
    "Talvez não seja nessa vida ainda,
    mais você ainda vai ser a minha vida,...
    Sou pescador, sonhador, vou dizer pra Deus nosso Senhor
    Que tu és o amor da minha vida,
    pois não da pra viver nessa vida morrendo de amor."
    Pior que conseguimos "viver morrendo de Amor", nossa então vamos nos jogar!!!! Beijos da Elena

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  2. Elena,

    tem mais de um jeito de ‘morrer’ de amor
    (afinal, somos seres pródigos em inventar e classificar maneiras):

    numa extremidade podemos situar o amor ‘morrido’,
    engessado e que ‘faz’ sofrer;
    na extremidade oposta podemos
    assentar o Amor que faz morrer tudo o que é ‘sobra’ ou é desnecessário,
    que é como semente, que faz morrer para nascer de outra maneira.

    E nessa linha de gradação,
    cada um de nós escolhe em que posição se situa.

    BeijOM,
    :-)
    MaFê

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