Se correr o bicho pega e, se ficar, o bicho come

Se um tipo especial de pessoa desagradável aparece com freqüência em sua vida, abra o olho. São espelhos que o universo envia para que se perceba através deles o que há rejeitado e enterrado em você mesmo. E é bem possível que, na teia dos relacionamentos, tais situações sejam parecidas com você sem que se tome consciência disto. Como explica a psicóloga Cristiane Gaiger, quando percebemos algo que nos incomoda em alguém e não vemos em nós, ficamos querendo corrigí-lo e, quanto mais próximo afetivamente, mais sentimos direito de mostrar como se faz "certo". Ou seja: veneno direto no amor.

"Se houver um aspecto de nós mesmos que não aceitamos, atrairemos continuamente pessoas que representam esse aspecto.
O Universo continuará tentando não só nos mostrar quem somos na realidade, mas também nos ajudar a recompor nosso todo.
A maioria das pessoas enterrou tão fundo esses aspectos rejeitados que não consegue perceber que pode ser exatamente igual àquele tipo particular de pessoa a quem olha com tanto desprezo.
Portanto, se um tipo especial aparece com freqüência em sua vida, existe uma razão para isso".

(Debbie Ford - "O lado sombrio dos buscadores da Luz")

Existe uma razão para estarmos aqui. A razão é buscar nossa evolução como espécie. O ser humano quer sempre ser melhor, estar melhor. Nosso organismo, nosso DNA está constantemente evoluindo e se deparando com situações adversas e estranhas, e logo ele se atualiza. O que serve é preservado e melhorado, o que não serve é rejeitado. Esta é a lei da biologia.
O detalhe é que nossas emoções, sentimentos, pensamentos, crenças não seguem a mesma regra, muitas vezes o que ocorre é o inverso. Quando rejeitamos determinado pensamento, freqüentemente ele volta e nos atormenta, até que percebemos que esquecemos, desligamos e, aí lá vem ele de novo, vai e volta. Não tem como escapar do que trará reflexão para que cresçamos. Só nos veremos livres do problema resolvendo-o!
Então, questionamos: por que isso acontece comigo? Dependendo da pessoa, pode inclusive pensar que o universo conspira contra ela e a responsabilidade é de qualquer um, menos da coitada... e a situação é rejeitada, já que o problema não é ela. Anos mais tarde, outra situação similar acontece e, novamente... a pessoa não tem sorte mesmo, não? Afinal, novamente foi se envolver numa situação constrangedora. Assim passam-se anos, reclamando, até que a ficha caia e, finalmente, possa pensar como aquela outra pessoa cujas pedras no caminho serviram como estímulo para ver como interagir com elas: seja pular a pedra, contornar ou trocá-la de lugar, mas há de se responsabilizar pela situação e transformá-la.
Além de buscar aprender e evoluir, o nosso organismo busca o equilíbrio. Se ingerirmos bastante açúcar, teremos que gastar mais energia ou produzir mais insulina. O que não deixa de ser descartar ou melhorar.
Nossas emoções também precisam de equilíbrio. Então, como negar a sombra? Não temos como descartá-la, somente reconhecendo e lidando com as nossas pulsões negativas é que teremos equilíbrio entre a luz e a sombra.

Não há como rejeitar a raiva na gente e ser um ser doce, meigo, que não faz nada na vida. A raiva é uma pulsão que nos leva à ação, claro que em equilíbrio. Precisamos de energia yang ao acordar para sairmos da cama pela manhã. Precisamos da sombra para nos defender, para manter o equilíbrio, a fim de termos a opção de saber lidar com esta parte sublimada ou rejeitada. Esta energia yang também é importante num cirurgião que precisará dela para cortar uma pessoa com seu bisturi.

Quem reconhece sua sombra tem alternativas internas - Quando perceber algo desagradável, algo que lhe incomode em alguém, faça uma pausa e direcione a percepção para si, perceba em que aspecto está incomodado, qual situação se repete? Permita ter a visão de que a outra pessoa faz daquela forma, porque é assim que ela sabe fazer, ela não faz para lhe irritar, ela "tem a coragem" de expressar algo que você já sabe que não deve ser feito daquela forma.
Sim, quem já sabe é você, ela talvez ainda não saiba e se faz como mensageiro para que você perceba algo (caso esteja incomodado, pois com o que não nos incomodamos, geralmente, percebemos como parte integrada àquela pessoa, é o jeito dela). Este algo pode ser bom ou ruim, ou não ter sido questionado, e lá no fundo o que percebemos é que aquela parte nossa que deixamos de lado, quando se apresenta à nossa frente, só quer ser aceita, compreendida e amada.
E logo vem a melhor parte que é quando podemos, inclusive, brincar com nossas dificuldades, tirando delas aquele caráter sombrio, ameaçador e vergonhoso, e dizer: puxa, não adianta trocar de fila no trânsito, está tudo parado, não adianta buscar outras ruas... Adianta, sim, é ver a impaciência que nos atinge quando estamos num ambiente congestionado, onde todos querem, assim como nós queremos, e que todos terão a oportunidade. Aquele que reconhecer sua sombra, sua dificuldade em ficar parado no trânsito, aproveitará para ter alternativas internas, como por exemplo uma boa música, aproveitar para não pensar em nada, meditar, colocar idéias em ordem, enfim, ter alternativas, complementar seu tempo e administrar suas emoções de acordo com a sua consciência e tendo oportunidade para argumentar com a sombra, com aquele diabinho que aparece de um lado e o anjinho que aparece de outro. Ambos são necessários para elaborar todos os caminhos, e então sabermos que estamos no trajeto certo, o equilíbrio e a consciência. Pode ser até que o trânsito passe a fluir melhor para você, em todos os sentidos!
Enquanto estamos lidando com nós mesmos só tomaremos uma atitude quando realmente nos sentirmos incomodados suficientemente, então iremos para a ação. Quando percebemos algo que nos incomoda nos outros e não vemos em nós, ficamos constantemente querendo mudar e corrigir aquela pessoa. Quanto mais próxima afetivamente, mais nos sentimos no direito e até na obrigação de mostrar como se faz certo, como deve ser, do nosso ponto de vista.
Não adianta fugir de nós mesmos, o remédio é olhar para dentro e ver com o que estamos lutando e quem está contrariado, se é o menino de 10 anos ou o adulto de 50? As situações vão se repetindo em nossa vida, justamente, para que possamos encontrar uma solução e aceitar que todos temos o lado sombrio, e é impossível satisfazer a todos.

Cristiane Gaiger
Psicóloga
cristiane.gaiger@terra.com.br
PORTO ALEGRE/RS

Foto: www.pbase.com

2 comentários:

  1. Oi Cristiane!! Muito verdadeiro o que escreves. Quantos relacionamentos poderiam seguir rumos harmônicos se cada um na relação conseguisse evoluir da heteronomia, quando se coloca fora de si tudo que nos acontece, fazendo então uma autorreflexão dos seus acontecimentos para evoluir para uma reflexão conjunta nas suas parcerias. Esse caminho propicia o pleno desenvolvimento da autonomia da pessoa. Felicidade a vista nos relacionamentos!!!Acredito nisto!!! ♥Beijos da Elena.

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  2. Olá Elena!
    Bom saber que não estamos sozinhos neste caminho do amor e autoconhecimento. Fiquei feliz com teu comentário, abraço, Luz e Amor, CRis

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